sábado, 9 de julho de 2011

O mundo vai acabar e eu estarei dançando com você

Seus olhos eram da cor de uma manhã de inverno, mas sua pele era como um final de tarde de verão com cheiro de vida nova da primavera. Ela estava mais linda do que nunca. Os longos cabelos vermelhos estavam presos e adornados por uma tiara prata dando-lhe um ar maior de fidalguia. Eu poderia viver mil anos e durante mil anos eu me lembraria daquela cena. Descendo lentamente as escadas com suas luvas alvas no corrimão de ouro. No fim da escada ela seria minha. Eu a esperava ansiosamente. Uma espera desesperada, dolorida. Agora era verdade, ela estava lá e seria minha.
O salão simplesmente parou para olhá-la. As pinturas dos grandes generais esgueiravam-se e espremiam os olhos para ver de suas dimensões àquela pintura viva que descia. Não me lembro qual música tocava, nem lembro se os instrumentos conseguiram produzir alguma nota depois de vê-la, visto que eu não conseguia sequer balbuciar minha admiração.
Ao tocar sua mão na minha era como se mais uma vez eu fosse criança, como se eu nunca mais pudesse sentir tristezas, como se nunca mais o sorriso bobo estampado na minha face pudesse se dissipar.
Dançamos valsas flutuantes sob o suntuoso lustre de cristais. Percorremos o salão como os ponteiros do relógio cismaram em correr um atrás do outro fazendo com que o véu do dia rasgasse o véu da noite.
As luzes começaram a oscilar e as figuras que víamos também. O mundo estava em guerra, possivelmente este seria o último dia de nossas vidas. Ainda assim dançávamos. O sino bateu uma vez. Todos de nossa corte sumiram. Estávamos numa rua deserta. Ainda assim dançávamos. O sino bateu a segunda vez. O castelo sumiu. Estávamos na rua, sob a luz vacilante de um poste a gás. Ainda assim dançávamos. O sino bateu a terceira vez. A música foi diminuindo lentamente. Ao fundo sons de dor, de batalhas. Nossos pés compassados ainda assim dançavam. E assim o sino foi batendo. Na décima primeira badalada nossas roupas sumiram. Estávamos utilizando roupas velhas, encontradas num vão abandonado na estação de trem. Ela olhou atentamente nos meus olhos e me perguntou:
    • O que será de nós quando o sino tocar mais uma vez?
    • Eu não quero pensar nisso agora.
Ela encostou a cabeça no meu peito. Aviões sobrevoavam e rompiam o céu sob nossas cabeças. Era o fim! O que quer que acontecesse aquela noite seria o fim. O sino tocou a décima segunda badalada.

         - O que será de nós?
         - Será de nós o que a vida quiser. Nesse momento, o mundo vai acabar e eu estarei dançando com você

    sábado, 28 de maio de 2011

    Dark Glasses

           Ele sempre achou que tinha o dom de ler olhares. Ao contrário de todos que se diziam fazê-lo, ele não olhava fixamente nos olhos das pessoas para analisá-las. Para ele, ficar mais que três segundos no olhar de alguém era perigoso, era correr o risco de ser aprisionado e nunca mais sair. Quando se trata de olhos, todo cuidado é pouco! Na verdade, ele tinha medo de encontrar alguém como ele. Então, ele desviava o olhar fechando as janelas. Há quem diga que os olhos são as janelas da alma.
          Era justamente isso que o encantava! Entrar sorrateiramente na alma das pessoas e ver o que elas eram por dentro. Um encantador serviço de espionagem que requeria mais tempo que se imagina. Mas, depois de enxergá-las por dentro ele via que eram iguais as outras e enjoava delas. Como as pessoas eram tão diferentes por fora e tão iguais por dentro?
           A cada pessoa um mistério novo. Em pouco tempo ele passou a colecioná-las. Ele se sentia seu dono por conhecê-las intimamente e toda vez que alguém olhava para ele, ele desviava o olhar. Foi então que ele encontrou seu maior desafio. Uma menina nova recém-chegada estava sentada à mesa com seu lindo par de óculos escuros. Será que depois de tanta prática ele conseguiria ver através das lentes negras da menina?
            Ele puxou um assunto qualquer e ela respondeu. Os dois dialogaram eloquentemente. Ele se surpreendeu com sua maneira de falar e sorrir. Resolveu não analisá-la por aquele dia. Seria muito triste perder uma pessoa como ela tão rapidamente. Ele se despediu e foi embora.
           Nos dias seguintes ela estava lá, na mesma hora, no mesmo local. Eles não haviam marcado nada, mas de alguma forma eles sentiam que deviam estar ali. Sempre de lentes escuras a menina olhava fixamente para o rapaz que desviava o rosto, ela sorria.
          Ele decidiu que já era hora de conhecer aquela menina. Sexta-feira. Se ele não gostasse teria o final de semana para sentir saudade e depois não apareceria mais! Ele olhou fixamente nas lentes da garota sem ouvir uma palavra do que ela dizia, por um momento ele achou que estava conseguindo. Apenas ilusão. O que estaria acontecendo de errado?         
             Por qual motivo ele não conseguia ler através dela?
             Agora era uma questão de honra! Sua meta era sabê-la! Depois de muito tempo todas as tentativas falharam e ele estava completamente envolvido. O mistério que aquela garota lhe passava era excitante.
            Ele pediu que ela retirasse os óculos para que ele pudesse ver seus olhos, um mês havia se passado e ele ainda não tinha visto seus olhos. Ela então perguntou se ele queria ler sua alma. A força dessa epifania atingiu-lhe como um dardo. Teria ela percebido? Em que parte ele falhou?
            - Você é daqueles que gostam de ver através das pessoas, não é? - disse ela- Eu também sou assim! Só que eu aprendi a ler o que sai da boca das pessoas, eu aprendi a ler o som de sua voz. Todas as vezes que olhei para você, você disfarçou. Eu senti sua voz se esquivando de mim, mas no primeiro dia que você veio, eu lhe conheci por inteiro.
          Ele não acreditava naquilo tudo. Estava embasbacado olhando para a menina que sorria.
             Sabe porque você nunca conseguiu me conhecer? - disse ela.
             Ela tira os óculos e revela-lhe a alma. Uma má formação gestacional a fez nascer cega. Suas pálpebras estavam fechadas como se ela estivesse dormindo, ela as abriu e ele pôde ver seu belo par de olhos castanhos.
    - Eu nunca consegui ver, meu caro! Nem por três segundos. Nasci com as janelas da alma fechadas e tive que aprender a viver apenas com o que escuto. Sabe, cada pessoa é como um livro fechado. Há uma capa e um título que podem dizer muito ou quase nada sobre o conteúdo, geralmente, algumas possuem um resumo sobre elas na capa de trás, ou só uma opinião de gente menos medíocre. Como eu nunca pude ver esses elementos, precisei ler toda a obra para conhecê-las. Você só vê os livros na estante, dentro do saquinho plástico e isso te impede de ir além. Agora que você me conheceu eu te deixo livre para ir embora.
    Ele não conseguiu mover um músculo sequer, segurou suas mãos e sorriu. Estava desfeito o mistério, mas fortalecido o encanto. “Amá-la foi fundamental para entendê-la pois só quem ama tem ouvido capaz de ouvir e entender as estrelas”.

    Entre a cruz e o Machado

    Para onde foi toda a minha corte?
    Onde estão meus súditos?
    O castelo está vazio.
    Na mesa de pedra fotografias em preto-e-branco.
    Bonitas fotos, tristes sorrisos.
    Eu sou um rei sem reino
    Que no reino não mando nada.
    Já ouvira isso em algum lugar.

    Onde fica o mapa de Pasárgada?
    Ah, eu não conheço o rei.
    Onde está o pó de pirimpimpim?
    Não há fadas para me fazerem voar,
    Não há ninguém.
    Vai ser gauche sozinho!

    Na janela da torre vejo pessoas andando
    Eu grito por elas, mas ninguém me ouve
    Eu poderia pular, será que doeria muito?
    Será que eu voaria?

    Na mesa, cartas escritas à minha solidão.
    -Lorde Gray, o senhor deseja mais chá?
    Sua pintura não se modificou.
    E agora, José? O fogo apagou!

    O espelho psiqué me revelou mais uma vez
    que mesmo nessa torre sem ponteiros, o tempo passa
    Pronto, passado.
    Na verdade, acho que vivo no passado.

    Só agora te entendo, doce Ismália.
    É muito triste ser o único a ver o fogo arder
    Sentir a ferida que dói
    E não contentar-se de estar contente.
    E ninguém ver o enterro de nossa última quimera

    Essa minha morte e vida severina.
    O peso dessa mão que afaga e que apedreja,
    Dessa terra sem sabiás,
    De heróis sem nenhum caráter,
    onde se deve disfarçar os olhos de ressaca
    e fingir que é dor a dor que deveras sente!

    Funesto Ignoto está morto

         Há muito tempo que venho querendo cometer esse crime e não sabia bem por onde começar. Na verdade, ainda não sei. Fazia tempo que ele vinha me incomodando.
    Tudo começou com uma tentativa de defesa por ver o mundo de forma diferente. Um mundo repleto de incertezas, dúvidas e abalos que davam grande inspiração para dizer bonitas palavras de repulsa ou de amor. Mas, tudo mudou. Talvez, o mundo continue o mesmo. Ainda existem os mesmos elementos, porém, não mais, no meu mundo.
        Minha vida deu tantas reviravoltas que ser o Funesto Ignoto se tornou algo pesado e difícil. Por mais que eu tentasse forçar a barra e pensar como ele ficava mais evidente que nós decidimos trilhar caminhos diferentes.
         Funesto se tornou diferente de mim e eu já havia percebido isso há vários dias. Eu só me dei conta disso quando vimos a morte de perto. Eu tremi, sofri, chorei. Ele se recarregou perante sua criadora. Morrer só é bonito metaforicamente!
    Me desculpem as linhas bagunçadas, mas quem nunca assassinou alguém não vai me entender, principalmente, quando se está matando a si mesmo. Nunca pensei que se matar fosse tão difícil. Matar um personagem é suicídio?
         Eu estava realmente disposto a matá-lo quando olhei profundamente em seus olhos. Eram os meus! Era meu rosto, era eu. Foi então que percebi que ainda éramos os mesmos. Não aceitar sua evolução seria muito egoísmo da minha parte, considerando todas as vezes que o deixei sozinho.
         Fizemos as pazes, por enquanto.
        Nosso acordo de cavalheiros estabelece que eu falarei quando sentir vontade e da forma que sentir vontade. Mesmo que fiquem ruins! Ele costura para dentro, mas eu tenho a necessidade de coser para fora.
         E assim, vamos vivendo nossa simbiose estranha.

    sexta-feira, 29 de abril de 2011

    Dispersão Fugaz II

    Saudade é uma palavra tão pequena se comparada a dor que causa!

    sábado, 12 de março de 2011

    Esperar enfim...

    Por qual motivo somos feitos de esperas?
    Desde nosso nascimento esperamos sempre que as coisas aconteçam e nossa vida termine,ou nesse caso, comece.
    Esperar, esperar, cansar, se decepcionar e começar tudo outra vez. Vivemos nesse ciclo infinito e muito dolorido, principalmente, quando esperamos coisas que vem de outros horizontes, outras pessoas...
    Esperar, na língua dos humanos mais otimistas significa ter esperança em algo, na dos pessimistas significa decepcionar-se.
    O que perturba é a inércia da espera, é a incerteza! Há quem acredite que quem espera alcança. Para isso, é preciso esperar, mas também seguir adiante por que o mundo não espera por ninguém.

    Sob os pés

    De tudo restou-me o nada
    Nenhum resquício do “tudo”que fui
    Subtraí-me tanto que já nem sei
    Que parcela fui
    Que fator sou

    Sigo o caminho das pedras
    pois o mesmo é melhor
    que o dos espinhos
    Será?
    Ando descalço!

    Outra vez


    Outra vez estou sufocado pelos meus próprios pensamentos, sufocado por minhas ideologias, visões do mundo e das pessoas. Outra vez o dia amanhece como se nada fosse fazer sentido. É incrível e assustador quando conhecemos o ínfimo das pessoas, principalmente, quando essas pessoas costumavam ser nossos padrões, nossos heróis. O que mais incomoda é perceber que nossos heróis são apenas seres comuns, como nós, cheios de defeitos, medos e egoísmos. Como nos iludimos com a face que as pessoas nos oferecem!

    quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

    Ainda amigos

    Ele então segurou suas mãos e, entre lágrimas, pediu que Ela ficasse. Por mais que doesse ele sabia que devia deixá-la seguir seus caminhos, não seria justo que sua luz brilhasse só pra ele, para que se sentisse bem, mas é que ela se tornou tão fundamental que ele já não conseguia mais viver sem sua presença. Ela sorriu e disse que sempre o amaria, beijou seu rosto e começou a caminhar sem direção ao horizonte pela estrada que levaria à seus sonhos. Ele ali parado com o choro contido não conseguiu pronunciar uma palavra se quer, talvez, fosse essa palavra que ela precisava ouvir; se ao menos ele a tivesse dito. Ela não o esqueceu. Sempre que podia mandava postais de como sua vida caminhava bem, ele só conseguia entender que não era necessário na vida dela. Ah! Como ele a queria em sua vida outra vez, ao menos, pra dizer que nada faz sentido, ou dizer, que seu coração ainda bate, mesmo quando ele acha que parou há tempos. Com o tempo, ele aprendeu a suportar a ausência, a viver sem uma parte de si, ambos mudaram, se tornaram diferentes. Eles vez ou outra ainda se esbarram pelas ruas da vida, trocam abraços, voltam a ser o que eram e depois se despedem, cada um para sua vida particular.

    domingo, 20 de fevereiro de 2011

    Dispersão Fugaz (1)

    É que, as vezes, é bem mais fácil disfarçar tristeza com alegria...

    quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

    Nostalgia Atemporal

    Detesto essa nostalgia que por diversas vezes me acomete

    Detesto esse sentimento de passado essa vontade de revirar as gavetas e procurar nesgas de lembranças que me façam transportar para um momento, um breve momento que nunca, nunca mais voltará. Detesto olhar velhas fotos e tentar adivinhar o que acontece, o que se está fazendo e o que houve de errado. Talvez, seja por isso que deteste mais, porque não há erro, não há culpados.

    Simplesmente o implacável e fabuloso senhor tempo agindo na roda da vida sem que eu possa parar para me despedir ou para rever. Mas, por qual motivo coisas que já passaram doem tanto? Se já passaram, não deveriam causar mais tanto pesar, deveriam ser apenas lembranças fugazes. Acho que eu tenho mais saudade é do futuro! O que é por si anacrônico e atemporal. Como são egoístas e frágeis, os humanos! Vivem essa eterna sina de Prometeu por terem roubado o fogo do Olimpo, imortais condenados a serem consumidos vivos por pássaros durante o dia e terem o corpo reconstruído à noite, para começar tudo outra vez durante toda a breve eternidade de suas vidas. É a isso que eu comparo a palavra saudade, triste sina....

    Eu não queria que nada exterior influenciasse minha vida. Sempre fui independente, sempre fui meu próprio senhor. Naquele momento,[..] tive um estranho sentimento de que o destino havia guardado para mim alegrias e tristezas intensas.”
    Oscar Wilde in O Retrato de Dorian Gray

    sábado, 1 de janeiro de 2011

    Réquiem à um amigo

        Já passa da meia-noite, os lenços brancos secam os olhos cansados de chorar, o silêncio da sala é quebrado apenas por soluços sofridos. O cenário é desolador. As luzes estão acesas, mas é como se apenas a chama das velas estivessem acesa. Do lado, três cadeiras se juntam a parede, nelas, duas mulheres de gerações distintas choram silenciosamente enquanto velam o corpo de seu amado. O cheiro de rosas invade os quatro cantos da sala. Qual a finalidade de rosas em um velório? Ao que estamos condecorando ou festejando? Estamos venerando a morte, ou esperando aprovação em olhos alheios?
        Morrer é tão simples e patético e, ao mesmo tempo, tão sublime e ignoto. Eu, que sempre acreditei na recarga da criatura perante o criador me vi balançado ao vê-la em sua vestes funestas. Ao menos, tive tempo de compreendê-la, de decifrá-la e, talvez, agora eu me sinta mais forte. Menos funesto e, talvez, mais ignoto. O tempo passou. A lua, antes minguante, agora cheia, nos revela que o mundo girou, que saímos dos campos floridos de primavera e entramos no verão. Isso me faz lembrar que o mundo não vai parar enquanto meus olhos fitam o preto e minhas vestes se trocam por tons de cinza e preto. Por mais que eu sinta, eu não posso trazer as pessoas ao meu redor de volta. Talvez, nem devesse fazer isso! Tudo um dia deve partir para que o ciclo recomece, nada é infinito.
         “Enfim, descobrimos, agora, que tudo começa e acaba com um sim. Também é preciso coragem para morrer, silêncio para ouvir o grito da vida.” Clarice Lispector In “A Hora da Estrela"


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